quarta-feira, 19 de maio de 2010

Um vazio cheio do mundo

Estava ali, empoleirada no murinho da varanda olhando as nuvens que previam chuva, as poucas estrelas. Olhava as luzes da cidade, e os vestígios das televisões ligadas dentro de cada casa. Não queria muito, só não queria pensar em nada de importante, só não queria muitas coisas. Não queria ser fraca como sabia que era, não queria amar como amava, não queria ter os sonhos que tinha. Talvez só quisesse aceitar tudo que não aceitara.

Sempre dissera que nem ela sabe como é, portanto não queria que ninguém esperasse que ela fosse de qualquer maneira. Não queria ser a filha perfeita, nem mesmo queria ser assim tão impulsiva.

Achava um porre tudo aquilo que remetia a “quieto”, nem mesmo quando estava quieta o turbilhão que ela era acalmava-se. Se não estava inquieto de felicidade poderia ser de raiva, tristeza, angústia ou TUDOJUNTOAGORA. Mas nunca estava vazia.

Imaginava os milhares de destinos que poderia seguir, quantas escolhas ainda tinha para fazer e quantas não estava fazendo enquanto estava parada ali. Por dentro ela se movia com a velocidade do mundo.

Sentia vontade de fazer tudo que se pudesse fazer agora, e por querer fazer tudo estava ali sem fazer nada. Sentia-se presa e suas grades eram apenas suas vontades.

Então, tudo cessou. Ela não viu que ele tinha acordado. Só sentiu o abraço forte e aconchegou-se.

Ali ela descobriu que estava no melhor lugar e o seu maremoto de vontades rendeu-se a calmaria, como as marés que são comandadas pela lua.


Este conto, foi o primeiro de muitos, em parceria com meu querido Phillipe o @Phiwod. O garoto das janelas e varandas, que gosta de Chico e escreve O espontâneo.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Só mais um sonho...


O nome dela é flor, apareceu não se sabe de onde, nem como. Achamo-la na porta de casa, tinha um miado estranho, de desespero mesmo. Escutei, saí na porta de pijama e tudo por conta do estranhamento com aquele miado. Deparei-me com uma gatinha muito pequena, magrela toda a vida e feia, como nem se pode imaginar, parecia que era cheia de peladeira, mas hoje sabemos que eram os pelos loiros no meio dos pretos e castanhos que davam essa impressão. Bateu aquela pena, chamei minha mãe, ela é fissurada por gatos. Mesmo com vergonha, confesso que tivemos nojo de pegá-la, mas o coração é mole, muito mole. Deixamos que ela morasse na varanda, alimentamos, cuidamos e nos apaixonamos. Já nem me lembro mais como ela passou a morar dentro de casa. A deitar no colo do meu pai na hora do cochilo da tarde, e nos seguir cada vez que alguém sai de casa. Um doce.
Hoje pouco depois que meu pai foi viajar, sentimos falta da Flor, minha mãe desesperou pensando que ela havia entrado na mala do meu pai e estaria agora voando por aí, já com quase certeza de que teria sido este o destino da gata, ela abre a gaveta do meu pai para guardar umas roupas e lá estava ela, calma, dormindo, misturando-se aquele cheiro que pai tem. Ao mesmo tempo, eu também o fazia deitada na minha cama, abraçada a um travesseiro que me trás boas lembranças.
Estava me lembrando do quão fofinha, lindinha, gracinha, espertinha e todos os “inhas” que eu era. De vez em quando é bom a gente “se olhar” e ver se ainda reconhecemos quem somos, ou quem achamos que fomos. Acabei me enxergando adormecida com o cheiro do encantamento, com o cheiro da opinião alheia, com o cheiro do não ser. Assim como minha gatinha dormia com o cheiro de meu pai. Levantei, e acordei, me senti novamente doce, como sempre o fui, me vi aquela garotinha cheia de sonhos, fantasias e sorrisos que era, ou sou, já nem sei mais. Assim como se tivessem aberto a gaveta da consciência.

Minha Flor não miou dentro da gaveta, mas acho que a menininha que mora dentro de mim, já esperneava faz tempo.

domingo, 2 de maio de 2010

Só não se esqueça.


"Quero que você saiba uma coisa.
Você sabe como é:
Se eu olhar a lua de cristal, pelo galho vermelho
do lento outono em minha janela,
Se eu tocar, próximo ao fogo, a intocável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva a você,
como se tudo o que existe: perfumes, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam
rumo às tuas ilhas que me esperam.

Bem, agora,
se pouco a pouco você deixar de me amar
eu deixarei de te amar, pouco a pouco.

Se, de repente, você me esquecer,
não me procure,
pois já terei te esquecido.

Se você considera longo e louco
o vento das bandeiras
que passa pela minha vida,
e decide me deixar na margem do coração
em que tenho raízes,
lembre-se que neste dia,
nesta hora,
levantarei meus braços
e minhas raízes sairão a buscar outra terra.

Mas
Se cada dia,
cada hora,
você sentir que é destinado a mim
com implacável doçura,
se cada dia uma flor
escalar os teus lábios a me procurar,
ah meu amor, ah meu próprio eu,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem é esquecido
meu amor se nutre no seu amor, amado
e enquanto você viver, estará você em seus braços,
sem deixar os meus..."


Hoje me deparei com este lindo poema de Pablo Neruda, chama "Se você me esquecer".
Como se já não bastasse ele como fonte de beleza, admiração e distração pra esse domingo cinzento, o li enquanto escutava esta música.

E a imagem é do Kissez

Bom domingo. =)