domingo, 13 de junho de 2010

Entre olhares, por um sorriso

Ele não sabia porque, mas estava a caminhar pelo centro naquela noite escura. Nada e tudo passavam pela sua cabeça em velocidade mach 5. Impossível raciocinar.
Quando viu estava num de seus lugares favoritos, a rua que é lar dos bares, mas faltava algo. Não estava acostumado a sair sozinho, nunca ia. Sempre tinha companhia, nem sempre a que gostaria, mas nunca ia sozinho. Aquela noite estava diferente.

O bar seu velho conhecido o abraçou, ao sentar teve que aguentar a abordagem do garçom “Qual a surpresa pra essa cadeira aqui do lado hoje?” Sorriu amarelo e disse que a surpresa é que ficaria vazia. A bebida rotineira já ia ser servida pelo garçom quando interveio: “Desça aquela garrafa, quero whisky”. O garçom mudou o rosto, fingiu se preocupar como todo bom garçom.

Olhou em volta, preferindo não acenar viu alguns conhecidos de sempre com sua alegria rasteira e cheios de história pra contar. Lembrou-se de cada um deles durante a semana, de seus dias chatos e rotineiros que no bar se transformavam numa epopeia imperdível aos presentes na mesa. Continuou procurando até que viu o que não queria encontrar, no outro canto uma presença solitária travou seu passeio visual pelo bar.
Sem nenhum cuidado observou os detalhes e achou que ela já não passaria no primeiro filtro, estava a fumar sem muita delicadeza e mulher que fuma não deveria passar.
Mudou de ideia, desfez o falso moralismo “se seu histórico for entregue a alguém, não passa em nenhum filtro” avisou a consciência. Deixou que sua imaginação embarcasse nela numa ponte virtual que ela desfez com um olhar firme. “Não quero conversa, estou farta de iguais”, foi o que aquele olhar disse.
Voltou à mesa sem nunca ter se levantado e fitou o copo, pediu outro e virou o conteúdo, achou estranho a demora do garçom, seu amigo da noite não o deixaria para atender outros, jamais [pobre diabo].
Ficou estarrecido quando ela veio se aproximando com um copo na mão, não entendeu qual parte tinha perdido, mas sabia, aquele olhar o encarava cada vez mais de perto.
A voz era doce, não era aquela que ele esperava de uma mulher tão alta. Fechou os olhos e entendeu que era melhor assim.
“Prefere o garçom ou posso te servir?” Hesitou, foi idiota “Você conta péssimas piadas pra me fazer rir igual a ele?” Ela sorriu e colocou 2 copos na mesa mas não se sentou.

- Eu não conto piadas. – Disse ainda sorrindo.

Ele perguntou: – Por que está aqui sozinha?

- Porque gosto de beber sozinha, às vezes a companhia dos meus pensamentos me são mais divertidas do que a de alguém. E você, já te vi aqui algumas vezes sempre sorrindo e rodeado de pessoas. O que houve hoje, esperas alguém?

- Prefiro pensar que alguém é que me espera. Uma vez vi uma mulher que parecia ter enigmas no olhar, jamais esqueci. Lembro-me de todos os detalhes daquela noite, inclusive da lua gris que no céu parecia pedir socorro. Então, como encantado sempre me vejo aqui em toda noite parecida com aquela. Porque dela não lembro e não sei nada, o único vestígio que tenho de onde a encontrar é o chaveiro que deixou cair, deste bar.

- E você reconheceria este olhar?

- Talvez eu não reconheça, foi muito rápido, mas ela me reconhecerá. Sei que irá.

-E como tens tanta certeza disso?

- Existem coisas que não podem ser explicadas, têm de ser vividas, para poderem ser compreendidas. A sensação que tive não pode me enganar.

No fundo ele sabia que nunca mais voltaria a ver aquele olhar.

Após um tempo de conversa com a moça que não conta piadas, pensou: “ela é bonita, inteligente… encantadora, que tenho a perder afinal?”

- Ei, posso levá-la em casa?

Nada surpresa e com um sorrisinho de moça bonita que já esperava algum convite do tipo, disse:

- Tem certeza que queres minha companhia? Não tenho o olhar que procuras.

Ele pensou consigo mesmo, “Ninguém vive de olhares” e respondeu:

- Claro, e por que não gostaria? Tens um belo sorriso, já me basta.

Ambos sorriram, levantaram e foram em direção a casa dela.

A verdade é que quem estava farto de iguais era ele, farto de noites igualmente amargas.

Mais um post em parceria com o Phillipe, meu companheiro de intermináveis conversas e parceiro de linhas tortas.